Meninos de rua, o parto

Ainda era madrugada quando ela começou a sentir as contrações. Seu corpo magricelo mal podia com o peso da barriga. A menina, que não deveria ter mais que uns catorze anos de idade se espremia de dor. Seu companheiro, que não era excedia em idade, ajudava segurando-a pelo braço. Com as mãos nos quartos, a garota tentava uma posição de agachamento para suportar as dores que aumentavam a cada minuto. Parecia que o parto aconteceria ali mesmo na calçada da Rua do Riachuelo, na Boa Vista.

Enquanto a criança se preparava para tomar o susto da vida, a jovem, aos prantos, estava preste a iniciar uma nova experiência: a maternidade. A realidade nunca foi fácil para aquela adolescente. Perdera seus pais muito cedo, engolidos pela rudeza das ruas, aonde o consumo indiscriminado de entorpecentes faz cada vez mais vítimas. Criou-se com os demais, nessa família que se espalha pelo centro do Recife.

O companheiro conseguiu ajudá-la a sentar. Com as pernas abertas, como quem se prepara para o parto, a jovem acariciava a barriga, num esforço para acalmar o filho que ainda não não pariu, mas que precisará ser muito forte para enfrentar essa vida doída. Ao seu lado o jovem marido revirava a bolsa plástica que guardava o enxoval. Eram roupinhas doadas por outras jovens mães, companheiras de rua; eram toalhinhas de cores variadas, pacotes de fraudas ainda intactos de seus natimortos; eram sapatinhos de lã doadas por associações de ajuda social; eram lençóis e fronhas. Enquanto revirava aquilo tudo, segurava na outra mão uma pequena garrafa pet quase cheia de moedas que ele ajuntou com pé de meia para o nascimento do seu rebento. Meses e meses pedindo esmolas nos sinais. Meses e mais meses vendendo confeitos nos cruzamentos do centro do Recife. Agora o miaeiro está quase cheio e ele vai poder comprar mais algumas coisinhas para a criança.

Num lapso de tempo a cabeça do garoto sonhou. Mas o sonho não poderia ir longe demais. Nada além dos becos e vielas; nada além dos trapos e barracos das favelas dos Coelhos e do Coque; estes, os refúgios de milhares de seres humanos e suas pobrezas.

Retornou à realidade com os gritos de dor da companheira. A bolsa havia rompido e a criança já espiava o mundo. Rapidamente o pais estendeu as suas mãos para apará-la e colocá-la em cima da barriga da mamãe, que agora chorava de felicidade. Era uma linda menina da cor do mundo.

Ao redor dos três começava a se aglomerar um punhado de pessoas e entre elas um médico negro como os pais que aproveitou para cortar o cordão umbilical e ajudar na higiene da criança e da mamãe. A criança, a mãe chamou-a de Aurora.

Aurora foi celebrada por aquela gente que se ajuntava numa corrente do bem e que por ela chegava os presente para reforça o enxoval: lençóis de renda de Casa Amarela; pares e pares de meias de Santo Amaro; conjuntinhos coloridos da Bomba do Hemetério; fraldas de pano do Córrego do Capitão; chapeuzinhos de lã da Várzea; toalhinhas de Dois Irmãos; camisetinhas estampadas do Ipsep; macaquinhos do Torreão; mamadeiras do Alto José do Pinho, banheira de Jaboatão.

Aurora luziu o Recife. Tão guerreira quanto os pais, seguirá levando a mensagem de que é possível sim mudar essa realidade. Ganhou um lar em Brasília Teimosa e por lá tornou a realidade mais feliz.

Uma resposta para “Meninos de rua, o parto”.

  1. Avatar de Rubia Santos
    Rubia Santos

    Gostei muito da forma da escrita, você é um escritor muito talentoso, consegue fazer descrição criando um toque de realidade e leveza, maravilhoso.

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