Meninos de rua: a carne nossa de todo dia

Imagem gerada por IA WordPress

Os passos eram cambaleantes. A dor ardia no peito e no abdômen, numa combinação mortal. Saíra de um ventre faminto para a rua violenta, retrato de uma terra que produz, reproduz e mata os seus excluídos, seres ignóbeis, migrantes dentro de um território pequeno e cada vez mais perigoso.

As mãos se cruzando e apertando a barriga dava o tom da gravidade. Entre os dedos, sangue que saía da boca, das mãos, da boca do estômago. Dos olhos uma cachoeira de lágrimas que se misturava a baba e sangue. Uma tosse entremeada de espasmos rompia o silêncio do corpo miúdo. Ninguém praguejava, ninguém jogava pedra.

A cena não era rara numa cidade que reproduz os seus mortos vivos. A boca de Santo Amaro já se abre em vida, esperando mais um subcorpo atanazado pela avibala urbana e mal-encarada dos canos dos três oitões. Era comum a vala comum tragá-los, cobri-los de aviterra do gueto do cemitério. Mas a sua existência ali era mantida por uma força quase sobrenatural que o avivava quando o impulso da morte já corrompia o seu corpo.

Olhando para trás, ele viu dois abutres fardados observando o momento que cairia para se aproximarem de armas em punho. E como se comemorassem o seu êxito, dois estampidos de bala romperam o silêncio de um ermo lugar. Seus algozes regurgitavam uma baba espumosa que descia do canto da boca.

Quando a última gota de sangue e lágrima caiu, ele olhou pro chão que sempre o acolheu e sentiu o medo sentido por todos os seus irmãos antes de partir. Quando a vista escureceu as aves de rapinas fardadas tomaram posse do seu corpo.

Que a boca de Santo Amaro feche, mas esse infeliz aqui é nosso, gritou o policial.

Uma resposta para “Meninos de rua: a carne nossa de todo dia”.

  1. Avatar de Rubia Santos
    Rubia Santos

    É a realidade dura dos jovens filhos da violência.

    Curtido por 1 pessoa

Deixe um comentário